Portugal não muda ISV dos usados importados. Caso deverá seguir para o tribunal europeu

dezembro 23, 2019
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O Governo não avança, para já, com qualquer alteração à forma como são tributados os automóveis usados provenientes de países da União Europeia, confirmou ao Negócios o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes. O Executivo mantém, assim, a convição já anteriormente assumida pelas Finanças de que "a solução atualmente implementada é a que melhor se coaduna com os objetivos ambientais assumidos". A opção é manter o braço-de-ferro com a Comissão Europeia, que a 27 de novembro deu a Portugal um mês para alterar a sua lei, considerando que a mesma é discriminatória e violadora da concorrência no espaço comunitário.

 

Em causa, recorde-se, está a forma como é calculado o Imposto sobre Veículos (ISV) no que toca à componente ambiental, que não leva em linha de conta a idade dos automóveis usados que são importados: o imposto tem uma componente cilindrada e uma componente ambiental sendo que, no primeiro caso, as viaturas têm direito a uma redução resultante do número de anos de uso. Já no que respeita à componente ambiental, isso não acontece, o que faz disparar o imposto final a pagar.

 

A questão tem sido largamente contestada nos tribunais por importadores que se consideram lesados pela opção do legislador português, já que os carros chegam ao mercado nacional com preços muito elevados por causa do imposto. Por cá, já por duas vezes conseguiram decisões favoráveis dos tribunais, uma delas já transitada em julgado, tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira  sido obrigada a devolver o imposto liquidado a mais.

 

Entretanto, também a Comissão Europeia interveio. No início de 2019 foi aberto um procedimento de infração contra Portugal, com Bruxelas a pedir esclarecimentos sobre a forma como o país tributa os usados importados. O Governo respondeu, alegando razões de natureza ambiental, mas a argumentação não convenceu a Comissão, que em novembro avançou com um parecer fundamentado, dando assim seguimento ao processo de infração. Nessa altura, em declarações por escrito ao Negócios, a porta-voz da Comissão para os assuntos fiscais e aduaneiros, Vanessa Mock, explicava que em Portugal "os carros usados importados de outros Estados-Membros são tributados mais fortemente em comparação com os carros usados comprados no mercado português, o que traz dificuldades para as pequenas concessionárias de carros e preços mais altos para os consumidores".

 

Bruxelas acredita que está em causa uma questão de concorrência no espaço comunitário, uma vez que o país "discrimina carros estrangeiros", pelo que a legislação portuguesa "não é compatível com as regras do mercado único" e com os tratados, mais exatamente com o artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), relativo à livre circulação. Assim sendo, prosseguia a porta-voz da Comissão, este é um "problema que precisa ser resolvido" e "quanto mais cedo melhor", até porque "as PME do setor estão a ser pressionadas por causa da legislação atual".

 

Razões ambientais são justificação
 

A justificação avançada desde sempre pelo Governo português para esta opção legislativa prende-se com razões de natureza ambiental, considerando que "não se trata de criar nenhum obstáculo ao regular funcionamento do mercado único, mas sim de respeitar os compromissos ambientais assumidos pelo Governo português, bem como pelos Estados-membros no Acordo de Paris sobre as alterações climáticas" e de garantir o princípio do "poluidor pagador". Não faria sentido "atribuir um alívio fiscal à importação de veículos usados mais poluentes", segundo tem justificado o Ministério das Finanças.

"O atual modelo de apuramento do ISV sobre os veículos não só está em linha com os compromissos ambientais assumidos pelo Governo, como se impõe por uma questão de igualdade de tratamento dos veículos em sede de ISV, já que para o mesmo nível de emissões de CO2 os veículos, novos ou velhos, pagam o mesmo imposto, na estrita medida do que poluem", considera o Ministério das Finanças.

 

Por isso mesmo, e com referência aos processos que têm corrido nos tribunais nacionais, as ordens para a AT foram as de recorrer até onde a lei lhe permitisse. Num primeiro caso que o Fisco perdeu no tribunal arbitral o Supremo Tribunal Administrativo recusou o recurso interposto pelo Fisco e um outro recurso, este para o Tribunal Constitucional foi igualmente recusado. O Fisco teve então de pagar o imposto cobrado a mais por não ter considerado a idade do veículo no cálculo dos valores a liquidar.

 

Num outro processo, que a AT também perdeu no tribunal arbitral, foi aceite um recurso para o Tribunal Constitucional, sendo que se aguarda ainda uma decisão.

 

Não optando o Governo por mudar a lei – podia aproveitar a proposta de Orçamento do Estado para 2020, mas decidiu não o fazer – o próximo passo deverá ser o tribunal europeu. "Se Portugal não agir no prazo de um mês, a Comissão pode decidir instaurar um processo no Tribunal de Justiça da UE", avisava Bruxelas em novembro. Se assim for, o tribunal poderá obrigar o país a mudar a lei e também impor sanções financeiras.
 

Braço-de-ferro antigo

Uma alteração ao código do Imposto Sobre Veículos (ISV) em 2017 veio onerar os veículos usados importados com uma tributação superior à aplicada no mercado nacional. A mudança apanhou o setor desprevenido, até porque já em 2016 o Estado havia sido condenado no Tribunal Europeu por uma questão semelhante - no cálculo do valor tributável não levava em conta a sua desvalorização antes de atingirem um ano nem a desvalorização superior a 52% no caso terem mais de cinco anos. O TJUE considerou que se violava a lei europeia que proíbe os países de fazer incidir sobre artigos importados ónus superiores aos aplicados a produtos nacionais similares. A lei foi então mudada, passando a ter em conta a idade do carro, mas limitou-se a aplicação das percentagens de redução à componente cilindrada e não à componente de emissão de CO2. A Comissão abriu um procedimento de infração no início de 2019 e o governo respondeu em maio. Bruxelas, contudo, não foi sensível à argumentação nacional e avançou com um parecer fundamentado com uma ameaça velada: A lei tem de mudar e mais vale que isso aconteça rapidamente.

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